Edmundo Kanan Marques: o padrinho da Simbios Biotecnologia Simbios Biotecnologia

Edmundo Kanan Marques: o padrinho da Simbios Biotecnologia

No dia 16 de julho de 2023, a Simbios Biotecnologia celebra 30 anos de fundação. A empresa, que iniciou de forma pioneira no Brasil o diagnóstico molecular por meio da realização de análises laboratoriais de DNA e RNA de agentes infecciosos, dá o pontapé inicial às comemorações trazendo uma entrevista com o professor Edmundo Kanan Marques, 85 anos, carinhosamente chamado de “padrinho” por seus sócios-fundadores, o biólogo André Salvador Kazantzi Fonseca e os engenheiros agrônomos Vagner Ricardo Lunge e Nilo Ikuta.


Era o ano de 1993 quando, recém formados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), André, Vagner e Nilo atenderam a um chamado do então diretor do Centro de Biotecnologia, Homero Dewes, e projetaram a Simbios, desenvolvida dentro de um processo embrionário do que viria a ser, oito anos mais tarde, a Incubadora Empresarial do Centro de Biotecnologia do Rio Grande do Sul (IECBiot), unindo a pesquisa científica à prática da análise laboratorial para o mercado. Bolsistas, André é Vagner cursavam mestrado em Microbiologia Agrícola e do Ambiente (PPGMAA) e Nilo doutorado no Departamento de Genética e Biologia Molecular (PPGBM).


O professor, que se aproximou dos três durante o convívio no Centro de Biotecnologia, afirma que a Simbios foi a primeira iniciativa dentro da incubadora a colocar em prática e com excelência a intenção do projeto de unir o conhecimento da academia com necessidades da comunidade externa. Mais tarde, Vagner foi orientado por Marques no doutorado em Genética e Biologia Molecular.


Em 1998, a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) convidou Marques, que já havia se aposentado da UFRGS há nove anos, para assumir o cargo de Diretor de Pesquisa. Ele apresentou um projeto ao Conselho Universitário do que pretendia para o setor e ganhou carta branca da Reitoria para organizar o que era necessário, incluindo a criação de cursos de pós-graduação aprovados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), garantindo assim que a instituição não perdesse o status de universidade.


Um ano depois, Marques convida Vagner, Nilo e André para integrarem, através de convênio com a Simbios, o Laboratório de Diagnóstico Molecular (LDM/Ulbra), ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da instituição. O objetivo era realizar projetos de pesquisa em biotecnologia voltados ao diagnóstico de patologias humanas e animais. Os sócios toparam. Em seis meses, já contavam com uma sólida estrutura para instalar seus equipamentos e colaboradores. Foi o início de uma longeva parceria de 11 anos, que resultou em uma série de projetos científico-tecnológicos financiados por programas de fomento à pesquisa, recursos da universidade e da própria Simbios.


Sobre o porquê da escolha dos gestores da Simbios, Marques aponta: “Primeiro, constatei de perto, ainda na UFRGS, a inteligência deles. Depois, sua seriedade e foco, eles não se afastavam do seu escopo. Além disso, eram inovadores. Eu lidava com muitas pessoas e logo percebi os diferenciais deles. E sabia que a biotecnologia era fundamental para o país e como eles poderiam colaborar com suas áreas.”


Os resultados efetivos do processo, conta, foram o desenvolvimento de tecnologias para diagnóstico molecular de patologias infecciosas humanas e animais e a consolidação do laboratório de análises em biologia molecular. “O reconhecimento da excelência do grupo ficou demonstrado pelo rol de publicações e premiações obtidas em eventos nacionais e internacionais”, destaca Marques.


Vagner e Nilo se tornaram pesquisadores-docentes da Ulbra, enquanto André seguiu na administração da Simbios. Em 2010, eles encerraram a parceria com a universidade para se instalarem em sua sede própria, em Cachoeirinha (RS). 


“A Simbios criou seu spin-off e se transformou em uma empresa realmente séria, que não fechou nem mesmo na pandemia, uma iniciativa sólida que produz ciência para o mercado. Ciência é descobrir e avançar no desconhecido. Tecnologia é melhorar o conhecimento para ser mais produtivo, fazendo uso da ciência. Por isso que tiveram sucesso, pois uniram a ciência com o aspecto empresarial”, avalia Marques.


Saudoso, ele recorda dos afilhados, com quem mantém contato até hoje: “Almoçávamos todos os dias juntos, trocávamos ideias, eram tempos muito bons. Admiro demais os três”. 


A trajetória do mentor do Centro de Biotecnologia da UFRGS


Edmundo Kanan Marques nasceu em Porto Alegre, em 7 de dezembro de 1937. Filho de Marina Kanan Marques, do lar, e Edmundo Casado Marques, engenheiro de estradas do DAER, acompanhava a família nas várias mudanças de residência por conta do trabalho do pai.


Segundo de cinco filhos e ótimo aluno, estudou na Escola Roque Gonzales, no Cavalhada, onde fez todos os anos iniciais. Completou o chamado curso Científico, que corresponde hoje ao Ensino Médio, no Colégio Anchieta. Quando adolescente, saia com um amigo para coletar insetos no Morro da Glória. A fotografia também era uma paixão. Com 15 anos já revelava as próprias imagens no chamado quarto escuro (laboratório fotográfico), hobby que apurou ainda mais seu espírito observador. 


Marques chegou a passar no vestibular de Medicina da UFRGS, “um tempo em que era obrigatório fazer as provas de gravata”. Seu tio, Álvaro Magalhães, professor da Faculdade de Filosofia, sabia que não era essa a área desejada pelo sobrinho, alertando-o da existência da faculdade de História Natural. Passou a ser ouvinte do curso em 1956. Um professor de genética o convidou a atuar em um laboratório ainda antes de ele entrar oficialmente como acadêmico. Trabalhou com cultura de tecidos vegetais in vitro, como meristemas e raízes, algo que ninguém fazia no Brasil. O primeiro estudo na área publicado no Brasil foi assinado por Marques. “Tive certeza que era aquilo que eu queria. Fiz o vestibular em 1957, passei e me graduei bacharel e licenciado em 1959”.


Em 1960, foi aluno do primeiro curso de doutorado na região Sul do Brasil, de Genética e Biologia Molecular, oferecido pela UFRGS. Não havia mestrado à época. Seu orientador era o chefe do Departamento de Genética, Antônio Rodrigues Cordeiro, foi convidado para trabalhar nos Estados Unidos. “Dei andamento ao meu doutorado sem a presença dele, só nos comunicávamos por carta. Quando terminei minha tese, enviei uma cópia por Correios, aquilo levava semanas. Ele me mandou de volta só escrito que estava ótimo. Fiz a defesa sozinho, com uma banca muito qualificada. Os cinco examinadores me deram nota 10 e a distinção Summa cum Laude”, relata.


Com apenas 23 anos já lecionava Genética na UFRGS, onde foi professor de 1960 a 1989. Realizou seu pós-doutorado em Genética na Cornell University, em New York (USA), entre 1969 e 1970. Ainda na UFRGS, coordenou o Curso de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular entre 1974 e 1976, foi chefe do Departamento de Genética, presidente da Câmara de Pós-Graduação e Pesquisa do Conselho Universitário, vice-diretor e diretor do Instituto de Biociências e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, além de membro titular da Comissão Supervisora de Proteção Radiológica. Quando foi para o Centro de Biotecnologia, na década de 1990 – período em quem conheceu a Simbios –, já estava aposentado da UFRGS e ainda lecionava na pós-graduação.


Extremamente articulado e atuante em importantes frentes focadas no fomento à ciência, Marques viajou o mundo para participar de eventos, simpósios e reuniões, sendo a China o mais distante dos países por onde passou. Foi diretor científico da Fapergs de 1977 a 1987, presidente da Sociedade Brasileira de Genética (SBG) entre 1986 e 1988 – tendo ocupado a diretoria da entidade em outras três gestões – e membro da diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) por duas gestões, de 1993 a 1995 e de 1995 a 1997. Esse currículo fez com que tivesse contato estreito com cientistas e entidades públicas e privadas de todo o país.


Quando o SBPC tinha como presidente o geógrafo Aziz Ab’Saber, tomou vulto na entidade a discussão sobre a necessidade de o Brasil precisar contar com estudos e investimento local em biotecnologia. “Comecei a me envolver profundamente com isso”, diz Marques. Como diretor da Fapergs, escrevia vários artigos explicando o que era a até então desconhecida biotecnologia, diversos deles publicados na grande imprensa, e outros com foco em divulgação científica. Sua grande preocupação era como transferir os conhecimentos da academia para a indústria, pensamento que não era unanimidade no final dos anos 70.


No início da década de 1980, o então governador José Augusto Amaral de Souza visitou o Japão e viu a biotecnologia em ação. Na volta da viagem, acionou o professor e o estimulou a escrever um projeto. Foi assim que Marques concebeu a ideia do Centro de Biotecnologia do Estado do Rio Grande do Sul, articulando um convênio entre a UFRGS, a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapergs), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Badesul) e o Governo do Estado do RS. Em julho de 1982, o Centro iniciou as atividades em área cedida no bairro Menino Deus pelo Instituto de Pesquisas Agropecuárias (Ipagro) – mais tarde denominado Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro) –, no mesmo terreno da Secretaria de Agricultura do Estado. Era um Centro com características próprias, multidiverso, que contava com a participação do poder público e da Universidade. Posteriormente, a iniciativa foi assimilada pela Universidade e rebatizada de Centro de Biotecnologia da UFRGS (CBiot), tendo como sede o Campus do Vale. 


Ao longo da vida acadêmica, Marques publicou centenas de artigos em revistas de circulação internacional, publicações de divulgação científica, livros e capítulos de obras e resumos em anais de congressos. Recebeu várias honrarias e prêmios, entre eles uma medalha por serviços prestados, na ocasião dos 30 anos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


Começou a namorar ainda na faculdade com a colega Helenita Jung Sperb, chegando a ser seu professor. Já casados, e com a chegada dos filhos, Edmundo Júlio, Maria Angélica e Luís Felipe, ela passou a se dedicar aos cuidados dos três. Hoje, o casal tem nove netos.


Assessoria de Comunicação

Anahi Fros | Jornalista